Furacão Irma






ESTAMOS VIVOS!!!

Apesar de toda a confiança, em muitos momentos chegamos a duvidar. O que vimos e vivemos nem precisamos dizer que foram as piores coisas da nossa vida. Não conseguimos encontrar palavras para expressar nosso sentimento. Estamos arrasados. Perdemos o Cascalho e perdemos o ToNina. O Cascalho era o barco melhor preparado da marina para enfrentar esse furacão de categoria 5. (até hoje esta era a categoria máxima. Provavelmente o furacão Irma sera elevado a categoria 7). Reforçamos todos os cunhos do barco, amarramos um sem número de cabos no próprio pier, nos cunhos do pier e nos pilares base de sustentação dos piers usamos cabos e correntes. Além dos cabos normais, usamos cabos de dyneema (praticamente mais forte do que este cabo, só os cabos de aço) e protegemos todos os cabos com pedaços de uma mangueira especial para não serem rebentados pelo atrito com o cimento. Além de toda a amarração e mesmo estando no pier, jogamos âncoras para segurar o barco por todos os lados. 

A primeira parte do furacão passou e, como se nada tivesse acontecendo, o sol voltou a brilhar, o céu voltou a ficar azul e o vento parou de soprar. Estávamos dentro do olho do furacão. Abrimos a porta de casa e o cenário de devastação total nos arrasou. A cidade já estava no chão. Carros virados, tudo quebrado, paredes inteiras de prédio que voaram, todas as árvores arrancadas, nem mais uma folha nas árvores... flagelo. Corremos para o pier e mal pudemos acreditar... muitos dos barcos já estavam perdidos mas o Cascalho estava lá, firme e forte, com nada arrebentado, com nada quebrado, firme e forte, bravo como sempre foi. Ficamos dentro do olho do furacão por uns 20 minutos, aí chegou a hora de enfrentar a segunda parte.

Estávamos muito confiantes. Iríamos sobreviver, nós e o Cascalho.

Corremos para casa e nos trancamos. Desta vez tínhamos que proteger melhor a nossa porta. O vento sopraria direto para ela e se ela não resistisse nos estaríamos perdidos. Colocamos almofadas na porta para amortecer os impactos, pegamos a mesa e colocamos em pe por trás da porta além de vários outros móveis pesados empilhados, o Luiz e o Alex se revesaram o tempo todo segurando a porta. E os ventos mais fortes, aqueles que rodeiam o olho formando a sua parede, que já tinha nos assolado antes de entrarmos no olho do furacão, sopraram novamente impiedosos sobre nós. A porta tremia, o vento rugia não em rajadas mas constante, soprando a mais de 300 quilômetros por hora. A pressão atmosférica era tao grande que os ouvidos ficavam trancados o tempo todo, nos causando uma sensação mil vezes pior do que quando um avião pousa e decola. Tudo que estava solto pelo chão do lado de fora voava batendo violentamente nas paredes, portas, janelas e telhado. A cada novo impacto, nossas esperanças diminuíam um pouco mais. A Carla e eu já estávamos dentro do nosso bunker - um abrigo dentro do abrigo contra furacões, so esperando a hora que o teto voasse, a porta se fosse e os homens viessem para junto de nós. Felizmente, esse momento nunca chegou. O vento começou a diminuir e finalmente conseguimos abrir uma janelinha para espiar nossos barcos. O Cascalho continuava no lugar dele, amarrado ao pier onde o deixamos. Mas já não estava flutuando. Foi afundado por outro barco que o vento fez voar e dar uma pirueta caindo de ponta cabeça em cima do nosso Cascalho, como se fosse uma folha de papel. Esse barco nos preocupou, era de um casal de amigos sul africanos amigos nossos. Entramos em contato com eles na segunda feira de manhã, enquanto estávamos preparando o Cascalho. Perguntamos a eles se eles sabiam da tempestade e dissemos que o barco deles não estava preparado para o furacão. Dissemos que infelizmente não poderíamos ajuda-los pessoalmente pois estávamos muito ocupados, mas que se eles não tivessem ninguém, nós poderíamos chamar alguém para preparar o barco deles. No final da tarde eles nos responderam dizendo que alguém viria preparar o barco. Essa pessoa veio, mas infelizmente não fez o suficiente. O barco deles não resistiu a tempestade e afundou o nosso Cascalho. Muito triste. Inconscientemente, nossa preocupação tinha uma razão de ser. O Cascalho continua lá, amarrado ao pier, os nossos cabos de dyneema cortaram o casco do outro barco, nenhum cunho do Cascalho rebentou nenhum cabo se soltou daquele lado do pier. Mas era querer demais do nosso Cascalho que ele suportasse o peso de outro catamaran maior e mais pesado do que ele, 44 pés, arremessado violentamente contra o seu mastro e em cima da sua rede na proa.

Amávamos o nosso Cascalho. Cuidávamos dele como muito poucos cuidam do seu barco. Quem nos conhece, quem navegou conosco, quem curtiu suas férias a bordo conosco, sabe o quanto ele era amado por nós. E todos que o conheciam passavam a admirá-lo também. 

Descanse em paz Cascalho. Voce continua sendo o nosso sonho. Nos levou para tantos lugares, nos fez viver tantas coisas maravilhosas, conhecer tantas pessoas incríveis... ficam as maravilhosas memórias e as mais de 80 mil fotografias que tiramos ao longo desses cinco anos. 

Precisou vir a maior tempestade de todos os tempos para te derrubar. Nós vamos sentir muito a tua falta. E por qualquer lugar por onde andarmos e por todas as horas e sempre vamos lembrar de ti!!!

Quanto a nós, saímos de casa para voltar em dois dias. Mas nunca mais poderemos voltar. Estamos arrasados. Difícil encontrar forças e saber por onde recomeçar. Sentimos fome mas é difícil comer, sentimos sono e cansaço mas é difícil dormir e descansar, a tragédia e a única coisa que povoa os nossos pensamentos. Estamos vivendo a tragédia que ate hoje so tínhamos visto através das telinhas da televisão ou dos telefones. O que se ve através dessas telas, não é nada comparada a realidade nua e crua. Temos pouco mais do que a roupa do corpo e um par de havaianas. Mas temos muita sorte na vida! Estamos vivos sem nem um arranhão fisico e apenas 36 horas depois da tragédia, conseguimos embarcar em um dos poucos barcos que sobreviveram, e chegamos em Porto Rico com alguns outros amigos. Fomos as primeiras pessoas a deixar a ilha. Meu Deus, como foi difícil virar as costas e partir deixando lá a nossa história e tantos amigos. Ficamos ainda muito mais tristes por todas as pessoas que não tem a mesma sorte que nos. Que não tem como sair da ilha, que não tem escolha, que não tem outro caminho a seguir. O nosso desejo é nos restabelecer, comprar roupas e calcados para nós, voltar para lá e ajudar na reconstrução da ilha e da vida das pessoas que lá estão e que não tem a mesma sorte que nós.


Também nao conseguimos encontrar palavras para agradecer a cada um de vocês que em pensamento, oração, mensagens, compartilhamento, curtidas e até mesmo em silêncio estiveram conosco nestes momentos tão difíceis. Sem a ajuda de vocês, não teria sido assim. Ainda nem conseguimos ler todas as mensagens. Só hoje estamos tendo acesso a internet. Pode demorar, mas nos vamos responder especialmente a cada um de vocês.

Nós acreditamos no poder da Protecao Divina. O nosso Cascalho não resistiu. Mas o nosso abrigo sim. E foi o único que saiu intacto da tempestade. Foi a corrente de orações e o poder do pensamento positivo que nos salvou. Muito muito obrigado de coração a cada um de vocês.

SANTO ANJO DO SENHOR
MEU ZELOSO GUARDADOR
SE A TI ME CONFIOU A PIEDADE DIVINA
ME REGE, ME GUARDE, ME GOVERNE E ME ILUMINE,
AMEN!

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